Descubra por que as organizações devem priorizar o desenvolvimento da curiosidade produtiva em suas equipes.
A pressão constante por resultados imediatos, trimestre após trimestre, tem um efeito colateral perigoso em nossas organizações. Ela cria uma cultura viciada em eficiência de curto prazo. Nesse cenário, qualquer desvio da tarefa imediata é visto como "desperdício". A exploração é um luxo, e uma pergunta pode soar como um atraso desnecessário.
O problema é que, ao mesmo tempo em que otimizamos a operação, exigimos que nossas equipes sejam disruptivas. Pedimos criatividade, mas penalizamos o erro. Esperamos inovação, mas preenchemos 100% da agenda com tarefas que exigem apenas execução. Em um mundo onde a mudança é a única constante, a habilidade mais crucial não é ter todas as respostas. É saber fazer as perguntas certas.
É aqui que entra a curiosidade produtiva.
Para nós da Descola, cultivar essa competência é o pilar central para o desenvolvimento de talentos no século 21. É o que diferencia o profissional que apenas executa do profissional que evolui e transforma. Aprofundamos essa visão em nosso curso Curiosidade Produtiva: Desperte seu Potencial Investigativo, que usamos como base para esta reflexão.
Este não é um artigo sobre uma soft skill "bonita de se ter". É um argumento de negócio sobre por que a curiosidade no trabalho é o motor da relevância profissional e como o desenvolvimento intencional dessa habilidade pode, e deve, ser o principal catalisador dessa transformação.
O Paradoxo Corporativo: Por que sufocamos a curiosidade que dizemos desejar?
Muitas organizações, sem perceber, criam uma cultura que favorece a conformidade. A previsibilidade reduz o risco e facilita o planejamento. O problema é que essa ênfase excessiva na conformidade sufoca a criatividade e impede a adaptação.
O resultado é o que Mike Bechtel, futurista da Deloitte, chama de "entrincheiramento cognitivo". Ficamos tão entrincheirados em nossa própria especialização que perdemos a capacidade de ver oportunidades nas interseções.
Bechtel, aliás, fez uma provocação instigante no SXSW: ele previu que os especialistas entrarão em extinção. Em um mundo com IA avançada, o valor não está mais em saber tudo sobre um tema (o "Know-it-all") , mas em conectar os pontos entre diferentes disciplinas (o "Learn-it-all").
A história prova que ele está certo. As maiores inovações não vieram de especialistas focados, mas de polímatas curiosos:
- Benjamin Franklin não era apenas um "especialista em eletricidade". Ele era um diplomata, escritor e inventor que navegava por múltiplos domínios, permitindo conexões que ninguém havia feito.
- Johannes Gutenberg não era apenas um impressor. Ele combinou seus conhecimentos de metalurgia, vinicultura (a prensa de vinho) e química para criar a prensa de tipos móveis.
O desenvolvimento de talentos moderno não pode mais se dar ao luxo de treinar apenas especialistas. Precisamos desenhar trilhas que incentivem o que Bechtel chama de "promiscuidade intelectual" — a exploração de novos temas e a conexão de ideias aparentemente desconexas.
O "Gene do Explorador" existe? Desmistificando a Curiosidade no Ambiente de Trabalho
Um dos maiores mitos que precisamos quebrar nas organizações é o de que a curiosidade é um traço inato. Ou você "tem" ou "não tem".
Isso não é verdade. A pesquisa nos mostra que a curiosidade é tanto um traço (uma predisposição estável e inata) quanto um estado (uma manifestação momentânea influenciada pelo contexto).
Para quem desenha programas de desenvolvimento, essa é a melhor notícia possível. Se a curiosidade é um estado, ela pode ser estimulada, treinada e cultivada.
Stefaan van Hooydonk, autor de "O Manifesto da Curiosidade" , oferece uma classificação prática para o ambiente de trabalho, dividindo os profissionais em dois perfis:
- A Players: São aqueles com sede constante de aprendizado. Fazem perguntas, exploram ativamente e assumem o controle do próprio desenvolvimento.
- B Players: São profissionais com potencial, mas que tendem a ser menos questionadores. Aprendem de forma passiva, muitas vezes por estarem sobrecarregados ou acostumados a um ambiente que não estimula perguntas.
A missão de quem desenvolve talentos é clara: criar um ambiente onde os B Players possam se transformar em A Players.
Para isso, precisamos primeiro entender o que estamos treinando. A curiosidade não é uma coisa só. Ela pode ser:
- Estreita vs. Ampla: A curiosidade estreita foca na especialização profunda (um engenheiro aprendendo uma nova tecnologia). A curiosidade ampla explora diferentes áreas sem conexão aparente (o mesmo engenheiro aprendendo sobre psicologia e música), sendo esta a fonte das inovações disruptivas.
- Produtiva vs. Improdutiva: A curiosidade improdutiva é o ciclo infinito de buscas sem propósito (rolar o feed). A produtiva é a que nos leva a aplicar o conhecimento para resolver problemas ou gerar novas ideias.
Nosso foco, portanto, é fomentar uma curiosidade ampla e produtiva.
As Três Dimensões da Curiosidade Produtiva: Um Framework para o Desenvolvimento
Para tornar o treinamento da curiosidade algo tangível, o curso Curiosidade Produtiva se aprofunda em um framework de três dimensões. Elas funcionam como pilares que se complementam para formar um profissional completo: intelectual, empática e intrapessoal.
Curiosidade Intelectual (O "Quê"): Além da arrogância e da ignorância
Esta é a dimensão mais óbvia: a sede de aprender e entender como as coisas funcionam. O desafio para o design de aprendizagem é encontrar o ponto ideal.
O psicólogo George Loewenstein ilustrou isso com um gráfico em "U invertido". Nossa curiosidade é baixa nos extremos:
- Ignorância: Quando não sabemos nada sobre um tema, ele não nos interessa.
- Arrogância: Quando achamos que já sabemos tudo, também não temos interesse.
O ponto ideal da curiosidade ocorre quando temos algum conhecimento, mas não o suficiente para termos certeza absolut. É a tensão entre o saber e o não saber que alimenta a exploração e o maravilhamento.
Para a gestão de talentos, isso explica por que alguns especialistas se tornam arrogantes (caindo no Efeito Dunning-Kruger) e por que novatos se sentem sobrecarregados. Nossas trilhas de aprendizagem devem manter os colaboradores nesse "ponto ideal" de desafio, como Alan Turing obcecado em decifrar o Enigma.
Curiosidade Empática (O "Quem"): "Seja curioso, não julgador"
A curiosidade intelectual busca fatos. A empática busca entender pessoas. É o interesse genuíno pelas perspectivas, emoções e experiências dos outros.
Essa dimensão é a base da colaboração e da segurança psicológica. Vimos um exemplo brilhante disso na série Ted Lasso. Em uma cena, Ted desarma o arrogante Rupert dizendo: "Seja curioso, não julgador". Ele explica que, se as pessoas que o subestimaram tivessem sido curiosas, teriam feito perguntas e descoberto quem ele realmente era.
Quantas vezes, no trabalho, julgamos um colega ("ele é lento", "ela é agressiva") em vez de perguntar ("o que está bloqueando seu processo?", "qual perspectiva você está defendendo?")?
Abraham Lincoln tinha uma regra de ouro que exemplifica isso perfeitamente: "Não gosto dessa pessoa; preciso conhecê-la melhor".
Treinar a curiosidade empática é treinar a escuta ativa e a suspensão do julgamento. É um pilar fundamental que exploramos em cursos como o de Comunicação Assertiva, onde aprender a perguntar é tão vital quanto aprender a falar.
Curiosidade Intrapessoal (O "Porquê"): O mergulho no autoconhecimento
Esta é a dimensão mais difícil e, talvez, a mais importante para líderes. É a coragem de olhar para dentro e questionar nossas próprias crenças, motivações e padrões de comportamento.
Como diz o Tao:
"Quem conhece os outros é sádio. Quem conhece a si mesmo é iluminado"
Evitamos a curiosidade intrapessoal porque ela é desconfortável. É mais fácil culpar o ambiente do que perguntar: "Por que reagi defensivamente naquela reunião?". Um exemplo extremo e poderoso dessa prática é Bill Gates e suas "Think Weeks". Duas semanas por ano, ele se isola completamente para mergulhar em reflexão profunda, analisar erros e questionar suas próprias suposições.
Para líderes, essa prática é essencial. Sem autoconhecimento, nossos vieses e inseguranças ditam nossas decisões. A curiosidade intrapessoal é a base da Inteligência Emocional, permitindo que um líder identifique seus gatilhos e escolha respostas mais construtivas.
Liderando pelo Exemplo: O Papel da Liderança em "Subir na Mesa"
A curiosidade morre em uma organização se não for modelada pela liderança.
A cena mais emblemática disso está no filme "Sociedade dos Poetas Mortos". O professor John Keating (Robin Williams) sobe em sua mesa e pergunta aos alunos: "Por que estou aqui em cima?".
Ele não dá a resposta. Ele os convida a "ver as coisas de modo diferente". Ao fazer isso, Keating demonstra todos os pilares da liderança curiosa:
- Cria um "Gap de Conhecimento" (Intelectual): Ele coloca os alunos no ponto ideal da curva de Loewenstein.
- Incentiva Novas Perspectivas (Empática): Ele os força a desafiar o status quo e o "entrincheiramento cognitivo".
- Provoca a Reflexão (Intrapessoal): Ele os incentiva a encontrar suas próprias vozes.
Líderes que adotam o "Método Keating" não dão respostas; eles fazem perguntas poderosas. O nosso papel, como arquitetos de cultura e desenvolvimento, é treinar líderes para que criem ambientes psicologicamente seguros, onde a equipe se sinta à vontade para questionar, experimentar e até falhar.
Exemplos corporativos reais disso incluem práticas como o "Reverse Mentoring" (onde líderes seniores são mentorados por funcionários mais jovens) ou a famosa política de "20% do tempo" do Google, que é, em essência, um convite institucional à curiosidade.
Da Teoria à Prática: Como Estruturar a Curiosidade na Organização?
Tudo isso é inspirador, mas como transformamos esses conceitos em ações práticas? A curiosidade pode, e deve, ser estruturada em nossos programas de desenvolvimento.
O curso **Curiosidade Produtiva: Desperte seu Potencial Investigativo**oferece diversas estratégias, que podemos adaptar para o contexto corporativo:
- Trate a curiosidade como um projeto: Em vez de deixá-la ao acaso, a área de desenvolvimento pode estruturá-la. Defina metas de curiosidade nos planos de desenvolvimento individual (PDIs). Por exemplo, "conversar com alguém de uma área diferente mensalmente" ou "ler um artigo sobre um tema totalmente fora da sua especialidade por semana".
- Incorpore a curiosidade em rituais: Incentive líderes a começarem reuniões com 5 minutos dedicados a compartilhar algo novo que aprenderam ou uma pergunta que surgiu. Isso sinaliza que perguntar é valorizado.
- Questione as "colheres de chá": O escritor Georges Perec propôs "questionar suas colheres de chá" — ou seja, observar e questionar os pequenos aspectos do cotidiano. Podemos facilitar workshops (como "Why-Labs") onde as equipes questionam processos óbvios: "Por que fazemos esse relatório assim?".
- Abrace o fracasso (de verdade): A curiosidade exige experimentação, e a experimentação leva ao erro. Precisamos quebrar o ciclo da conformidade. Empresas como a Intuit substituíram a palavra "erro" por "surpresa". Como podemos ajudar a reformular o "erro" em nossos sistemas de gestão de desempenho?
- Promova a exploração: A curiosidade intelectual floresce com novos estímulos. Patrocinar a participação em cursos de áreas correlatas, como Inovação e Criatividade, não é um custo; é um investimento direto na capacidade da equipe de conectar pontos.
O Poder do Maravilhamento e o Futuro do Aprendizado
Chegamos ao ponto final, que é também o mais humano. Em nossa busca incessante por métricas e produtividade, corremos o risco de esgotar nossa capacidade de nos maravilhar.
Vivemos na era da "religião da produtividade". Queremos que todo aprendizado tenha um ROI imediato. Mas a verdadeira curiosidade não funciona assim.
Steve Jobs, em seu famoso discurso em Stanford, deu o conselho mais importante sobre o tema. Ele falou sobre como fez aulas de caligrafia na faculdade sem nenhum propósito prático, apenas por curiosidade. Anos depois, esse conhecimento aparentemente "inútil" foi a base para a tipografia do Macintosh.
"É impossível conectar os pontos olhando para frente; você só consegue conectá-los olhando para trás. Então, você tem to que confiar que os pontos se conectarão de alguma forma no seu futuro".
Para nós, que acreditamos no aprendizado contínuo, esta é a lição final. Nosso trabalho não é apenas fornecer os pontos (as competências técnicas). É criar uma cultura de maravilhamento e confiança, onde os colaboradores tenham permissão para explorar pontos aparentemente desconexos.
Devemos resistir à tentação de tornar tudo imediatamente útil. Porque a verdadeira produtividade não está em fazer mais coisas, mas em fazer as coisas certas. E para descobrir quais são elas, precisamos primeiro nos permitir parar, perguntar e nos maravilhar novamente.

