Como driblar o inconsciente nas relações interpessoais

Como driblar o inconsciente nas relações interpessoais

Você já parou pra pensar quantas vezes você tomou uma decisão baseada em crenças e/ou suposições pré-estabelecidas?

Te convidamos a fazer um teste. Imagine a seguinte pessoa: Um artista plástico que produz todo tipo de obras. Pinturas, esculturas, projeções em instalações e que já participou de grandes atos de ativismo. Seu trabalho traz referências do surrealismo, pop art, expressionismo abstrato, além de apresentar conceitos minimalistas e psicodélicos. Em sua estante, esta pessoa pode exibir prêmios pelos livros que já escreveu e até o filme que produziu e protagonizou.

Como você imaginou esse artista?

Homem ou mulher? Pai ou mãe? Negro ou Branco? Ocidental ou Oriental? Muçulmano, Hindu, Católico ou Budista??

Estamos falando de Yayoi Kusama, uma mulher de 90 anos que tem como marca registrada as bolinhas – polka dots – em seus trabalhos. A artista japonesa teve uma infância perturbada que desencadeou em doenças mentais e traumas. O seu vasto campo de criação vem principalmente de suas alucinações e do transtorno obsessivo que desenvolveu pelas bolinhas que estão presentes em todos os seus trabalhos.

Não sei qual foi a sua resposta, mas dificilmente você atribuiria toda essa carreira a uma mulher, japonesa, de 90 anos, né?

É a esse tipo de pensamento que chamamos de viés inconsciente.

Vieses inconscientes são pré-conceitos que te influenciam o tempo todo e você nem percebe. Os vieses trabalham como barreiras sigilosas, obstáculos invisíveis. Eles são associações automáticas que fazemos todos os dias sem ao menos percebermos, que resultam em julgamentos e premissas a atitudes que tomamos ou atribuímos aos outros.

Basicamente são aqueles estereótipos que atribuímos por conta de experiências passadas, por vivências ou por histórias que muitas vezes chegam até nossos ouvidos. Você sabe do que estamos falando: “Cariocas são folgados, “gordinhos são engraçados”, “Japoneses são bons em matemática” ou “mulher não sabe dirigir”.

Essas são frases que costumamos ouvir (e falar ou pensar), mas que não têm qualquer comprovação com a realidade. São os vieses inconscientes. Mas calma, não queremos aqui te culpar de nada, afinal é importante que saiba que todos nós temos vieses. Às vezes eles até nos protegem, mas a verdade é que há grande chance deles nos prejudicarem.

Os vieses não tem correlação com os nosso valores pessoais. Eles são processos culturais e cognitivos. Trata-se da forma como percebemos, interpretamos e integramos as experiências durante nossas vidas.

Tá. E como isso ocorre?

Temos a tendência de enxergar o mundo com as referências que tivemos acesso. Apesar de não vivermos em um mundo de padrões, todos temos a predisposição de utilizar atalhos mentais e condutas culturais para tomar decisões.

A coisa é que, como seres humanos, nossos “olhares” não são neutros, nossas experiências servem como uma lente por meio da qual enxergamos o mundo.

Somos indivíduos distintos e que carregamos diferentes experiências e bagagem social, que nos instrui a julgar, reconhecer ou excluir lugares, pessoas e até oportunidades que são apresentadas.

Dentre os diversos tipos de vieses identificados, escolhemos os 5 mais recorrentes para te mostrar:

  • Viés de Afinidade: é a tendência de avaliar melhor quem se parece conosco, como por exemplo em questões de gênero, raça, idade, histórias de vida, entre outros.

Porque será que os cargos de liderança são na grande maioria compostos por homens brancos?

  • Viés de Percepção: quando reforçamos estereótipos que são definidos por influência da sociedade ou cultura na qual estamos inseridos.

Dizem que mulheres dirigem mal. Mas, quando vamos avaliar a tabela de preços de uma seguradora de carros, o valor para mulheres é sempre mais em conta do que para os homens, uma vez que estas são mais cuidadosas e apresentam uma tendência menor em cometer acidentes.

  • Viés Confirmatório: procuramos informações que confirmem as nossas hipóteses iniciais e rejeitamos as que são contrárias.

Só enxergamos aquilo que queremos ver, não é porque um dia você teve uma má experiência assistindo um filme de ação que todos são ruins, né?

  • Efeito de halo/auréola: exibimos uma preferência inconsciente com apenas uma informação positiva ou agradável da pessoa, o que nos leva a avaliar positivamente todo o restante das informações.

As aparências enganam, na vida, na carreira e nos negócios. Você sabia que pessoas mais altas costumam ter salários maiores?

  • Efeito de grupo: seguimos o padrão de um grupo. A pressão que é colocada pelo grupo pode fazer com que todos busquem convergir com a mesma ideia.

Algumas pessoas começam a se vestir de uma forma diferente na empresa, e de repente todas adotam essa forma diferente de se vestir, para se sentirem parte do grupo.

UMA DICA: Quer olhar com maior atenção para condutas enviesadas? Então olhe com muito cuidado e atenção para as generalizações.

As generalizações limitam nossas possibilidades e pensamentos – uma vez que não observamos com plena atenção às perspectivas e oportunidades que são apresentadas.

Quem vê só um lado do mundo, só sabe uma parte da verdade

Emicida

A visão de mundo que temos está diretamente associada à cultura em que estamos inseridos. Por exemplo, por muito tempo achamos que a família tradicional brasileira era formada por mamãe, papai e um ou dois filhinhos. Dessa maneira, excluímos tantas outras famílias com composições distintas como de casais homoafetivos, casas de pais e mães solteiras e até as crianças que são criadas por outros membros da família, como avô e avó.

E o que eu posso fazer para melhorar?

Uma coisa é fato: não temos como acabar com os nossos vieses, afinal eles são inconscientes. Contudo, podemos revisar e observar como ele se expressam para não mascarar nosso julgamento.

Os vieses se manifestam em diversas etapas do nosso dia a dia. Aqui alguns exemplos de momentos em que somos afetados por eles:

  • Percepção: como vemos e reagimos às pessoas.
  • Atitude: como reagimos com certas pessoas.
  • Comportamento: quão receptivos e amigáveis somos com as pessoas.
  • Atenção: qual aspecto escolhemos prestar mais atenção nas pessoas.
  • Escuta: quanto realmente ouvimos do que o outro diz.
  • Micro afirmações: quanto ou quão pouco confrontamos certas pessoas em determinadas situações.

Oras, se são inconscientes e muitas vezes de difícil percepção, como é possível se livrar desse tipo de atitude?

O primeiro passo é saber reconhecer os diferentes tipos de preconceitos inconscientes para tomarmos consciência de nossos atos e assim evitá-los.

Mas será que isso me afeta?

Estamos sujeitos aos vieses a todo momento. Desde relacionar um tipo de comportamento a um tipo de pessoa (lembra do começo do nosso texto?) até a escolher pessoas que são parecidas conosco em processos seletivos dentro de nossas empresas.

Mas só de ler esse texto você já está tomando consciência, não só da existência dos vieses como na reflexão das suas falas e atitudes no dia a dia. Todos somos afetados, mas a boa notícia é que esse comportamento pode sim ser evitado.

5 dicas para evitar o viés.

O primeiro passo é fácil – torne o inconsciente, consciente.

  • Reconhecer que você tem vieses inconscientes.

Entenda que não tem problema algum ter viés, todos nós temos. E isso não nos torna uma pessoa ruim, isso é natural do ser humano, mas ainda bem que temos a capacidade de refletir.

  • Identificar quais são os seus vieses inconscientes.

Este teste te auxilia a identificar seus vieses.

  • Saia da sua zona de conforto.

Se desafie, saia do lugar e faça acontecer. Desafie os seus vieses, navegue em mares desconhecidos.

  • A diversidade é a maior aliada do combate ao viés. Busque interagir com pessoas diferentes do seu perfil.

Deixe de lado a zona de conforto. Encontre novidades. Conecte-se com outras pessoas diferentes de você.

  • Pedir que outros nos apontem no momento em que temos um pensamento ou ação que possa estar sendo influenciado por um viés inconsciente.

Aprendendo sobre os vieses você estará auxiliando o mundo a conviver na diversidade, a criar ambientes mais diversos, inclusivos e, claro, inovadores. A jornada da desconstrução dos vieses não é fácil contudo é um exercício de sinceridade consigo mesmo.

A quebra de vieses faz de você um agente da transformação

Somos todos diferentes e, merecemos todos oportunidades iguais!

Algumas empresas já estão seguindo a lógica de investir na diversidade do ambiente, e assim com o tempo torná-lo cada vez mais diverso.

Empresas que apostam na diversidade já saem na frente no que diz respeito às oportunidades de inovação, conexão com clientes e engajamento dos colaboradores. Uma vez que este será um reflexo da representatividade do time como um todo.

Quer ver um caso interessante sobre isso? No carnaval de 2015 a Skol apostou numa campanha que trazia os dizeres “esqueci o ‘não’ em casa”, mas a campanha não levou em consideração a luta das mulheres em busca do respeito e de igualdade, especialmente em eventos como o Carnaval.

No final, a repercussão foi péssima, mulheres de todo o país se manifestaram contra a peça publicitária. Muito provavelmente esse tipo de episódio acontece pela falta de uma equipe composta por mulheres na idealização da campanha.

Com a resposta das ruas, a Skol repensou o posicionamento da marca e criou o “redondo é sair do quadrado” e “viva a diferença”. Além disso, a marca trouxe a iniciativa de recriar posters que tinham como tema principal o corpo feminino padrão.

Para essa ação a empresa convidou ilustradoras de todos os cantos do Brasil para redesenharem as peças, na intenção de desconstruir o estereótipo feminino e trazer a discussão da importância das lutas das mulheres por igualdade e respeito. O slogan da nova campanha era “redondo é sair do quadrado”.

Muda que o mundo muda

Uma campanha como essa cria um impacto direto no mercado. A Skol soube reconhecer o erro e dar a volta por cima com uma nova ação.

Trazer à consciência os vieses que escondemos como sociedade é o primeiro passo para transformar as instituições.

Saiba que…

Somos os protagonistas da mudança que queremos ver no mundo.

Para inspirar mais ainda a reconhecer e se tornar consciente dos seus vieses, apresentamos Yassmin Abdel-Magied. A mulher que pode te fazer repensar sobre o que você sabe sobre uma muçulmana.