Os mitos da saúde mental

Os mitos da saúde mental

Saúde Mental: estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade. 

Essa é a definição da OMS (Organização Mundial da Saúde) para a saúde mental, a qual vamos considerar ao longo deste ebook. Quer dizer, então, que a ausência de habilidades para se recuperar de um estresse rotineiro, de ser produtivo e contribuir com a sua comunidade é o que, na verdade, acarreta em alguma doença mental? Pois é! Viu só como tem tudo a ver com o que falamos sobre o mundo VUCA, BANI e a necessidade de desenvolver habilidades para lidar com as mudanças constantes?

Mas o que está por trás dessas habilidades e da necessidade de se livrar de estresses, gerar produtividade e contribuir com a comunidade? Além de passarmos por alterações de mundo, vivemos em uma sociedade capitalista que joga em nossas costas uma bagagem bastante pesada: a que nos faz pensar que precisamos nos alinhar com o que está acontecendo, precisamos tolerar situações estressantes e devemos produzir o tempo todo. 

Quer uma prova de que essa bagagem é real e existe, ainda que metaforicamente? Durante a pandemia do coronavírus, tivemos alguns processos: pessoas querendo ocupar o tempo em casa, organizações aumentando a carga de trabalho para evitar o ócio, colaboradores trabalhando em regime home office por jornadas de 9 a 15 horas por dia. 

E por que isso? Porque sentimos necessidade de acompanhar o que acontece no mundo e, frequentemente, nos culpamos quando não estamos trabalhando ou fazendo algo. E isso não é tudo: queremos acompanhar o mundo felizes e almejando a perfeição. 

Existe um conceito criado por Guy Debord, filósofo e cineasta francês, na década de 60, que explica esse fenômeno: o da sociedade do espetáculo. Para Debord, na sociedade do espetáculo, as relações se baseiam na idealização da imagem, na justificação total das condições e dos objetivos do sistema capitalista. Basicamente o que vivemos na atualidade, não é mesmo?

Entretanto, essa situação é impossível de ser sustentada por muito tempo. Você deve ter visto o vídeo do Porta dos Fundos que a professora Mari mostrou em uma de nossas vídeo aulas do curso Cultura do cuidado, certo? Ele explora bem isso. Na cena, Márcia entra toda feliz no escritório, às 8h da manhã, em uma segunda-feira de frio, dando bom dia a todos, sem motivo aparente para tamanha alegria. O personagem interpretado por Fábio Porchat, fora da realidade que Márcia está vivendo, retruca, reclamando de tanta positividade, a qual chega a ser tóxica.

Se não viu, ta na mão:

De fato, não teria problema nenhum ela agir assim, porém, a partir do momento em que isso acontece por conta de uma imposição de que devemos ser felizes o tempo todo, há três questões nessa lógica:

  • Ela é insustentável;
  • Ela é incontrolável; e 
  • Ela é improvável.

Ela é insustentável. Insustentável porque a nossa felicidade pode não ser a mesma do outro. Uma segunda-feira que é boa para nós, pode ser ruim para uma outra pessoa. A verdade é que a vida é dura, independente da forma como estamos lidando. 

Ela é incontrolável. Incontrolável porque não podemos ditar as regras, não conseguimos controlar o que acontece, apenas o que fazer com o que nos acontece. Por isso, ser otimista não é garantia de que você é feliz.

Ela é improvável. Improvável porque sorrir e ser feliz o tempo todo não é indício de uma vida facilitada. Coisas ruins acontecem com pessoas boas o tempo todo, não é mesmo?

Com isso, chegamos a uma questão importante: É possível desenvolver habilidades, livrar-se do estresse da rotina, trabalhar de forma produtiva e ainda contribuir com a sociedade de forma saudável? Sim, desde que alguns estereótipos e mitos sejam desvendados. 

Os mitos da saúde mental 

Quantas pessoas você conhece que não levam o assunto da saúde mental a sério? Ainda que esse seja um tema muito debatido há muitos anos, existe um preconceito de que a saúde mental está relacionada a pessoas loucas, o que não é verdade. 

Na sequência, vamos romper com alguns dos paradigmas acerca da saúde mental, o que é importante para conseguir lidar com a questão das doenças mentais e reconhecer quando temos sintomas. Usando as principais doenças mentais tratadas neste ebook, vamos te mostrar que nem tudo é o que parece ser.

  1. Depressão, burnout e ansiedade têm o mesmo tratamento

Um dos principais mitos da saúde mental é acreditar que depressão, burnout e ansiedade são a mesma coisa e, por isso, têm o mesmo tratamento. Primeiramente, precisamos ressaltar que esses são transtornos mentais com causas diferentes e, portanto, tratamentos diferentes também. 

A depressão é uma doença psiquiátrica que considera a perda total de sentido da vida, quando tudo fica cinza e a pessoa se desconecta de tudo e todos. Por vezes, ela é tão forte que o indivíduo sente que a única maneira de se livrar de tamanho sofrimento é tirando sua vida. 

Já o burnout é uma doença relacionada a um esgotamento físico e mental por conta do excesso de trabalho. Chega um momento em que o esgotamento é tanto que já não há mais vontade para exercer nem as atividades do trabalho nem as de vida pessoal. 

A ansiedade, por fim, decorre de medos e preocupações excessivas com o futuro, como se uma tragédia fosse acontecer de uma hora para outra. É como se existisse um alarme que soa o tempo todo, ainda que a situação não mostre perigo algum. 

Quanto ao tratamento, se essas doenças possuem um ponto de similaridade, esse é a ida ao psicólogo e psiquiatra, para acompanhamento com terapia e uso de medicamentos. Exceto isso, cada doença deve receber seu próprio tratamento. 

Atenção: em casos de sintomas de depressão, burnout e ansiedade, a busca por ajuda profissional é a primeira recomendação. Cada pessoa pode seguir com um tratamento diferente, portanto, não hesite em pedir auxílio. 

  1. Somente adultos desenvolvem essas doenças

Você sabia que uma a cada quatro crianças e adolescentes teve sinais de ansiedade e depressão durante a pandemia do coronavírus? E disseram que somente adultos desenvolvem essas doenças, não é mesmo? 

A verdade é que ninguém está ileso e qualquer um pode ter transtornos e doenças mentais. A explicação para isso é uma só: a base para essas doenças é o sofrimento e todo mundo pode passar por isso. As crianças, por exemplo, sofrem com bullying nas escolas, com a separação dos pais, por racismo, entre outros casos. 

O assunto é tão sério que é retratado, até mesmo, nos cinemas, com a temática infantil. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Ave, no Canadá, mostrou indícios suficientes em Ursinho Pooh e seus amigos para sustentar a tese de que cada um desses personagens está relacionado a um transtorno mental. 

ursinho pooh e seus amigos

O Ursinho Pooh, primeiramente, seria a representação tanto do transtorno alimentar, por sua vontade insaciável de comer mel o tempo todo, quanto do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), representado por seus pensamentos desordenados.

Já o Leitão poderia representar o transtorno de ansiedade generalizada, facilmente percebido por seu comportamento constantemente ansioso. Qualquer acontecimento, sob sua perspectiva, já é um motivo para alarde.

O Tigrão, assim como Pooh, pode mostrar um comportamento hiperativo, visto que não consegue ficar parado por um minuto sequer. Além disso, existem traços de um transtorno bipolar neste personagem, que altera seu humor de muito alegre para muito triste rapidamente.  

Mas talvez o transtorno mais notável seja mesmo o de Bisonho. Será que você consegue resgatá-lo na sua mente e saber qual é? Sim, depressão. Ele sempre se apresenta com um olhar triste e negativo, sem sentir emoções de entusiasmo.

Não sabemos se a intenção dos produtores foi realmente essa, é claro, mas, considerando que é um filme para crianças, olhar para esses personagens pode ajudar muitos pais a reconhecer os sintomas nos próprios filhos. 

  1. Depressão, ansiedade e cansaço são falta do que fazer

Esse mito é clássico: depressão, ansiedade e cansaço são falta do que fazer. Isso já é contraditório por si só, visto que cansaço é o sintoma relacionado a um esforço feito ao longo do dia. Seria esse um esforço de não fazer nada? Achamos que não!

Lavar louça, estender uma roupa no varal, carpir um lote, nada disso vai curar esses transtornos mentais. Não existe, até os dias de hoje, nenhuma ligação comprovada por estudos de que trabalhos domésticos curam doenças como depressão, ansiedade e burnout, portanto, esse mito já é mais do que ultrapassado.

  1. Tristeza e depressão é falta de Deus

Essa com certeza você já ouviu falar. Tristeza é coisa séria e a forma como ela impacta nossa vida não tem nada a ver com a falta ou presença de Deus ou qualquer outra religião. A tristeza é um sentimento, um estado que, se profundo, se torna um alerta para depressão severa. 

  1. Uma pessoa com transtorno de ansiedade é uma pessoa medrosa

Sim, a ansiedade lida com medos. Isso quer dizer ausência de coragem? Jamais. A ansiedade é um transtorno que está relacionado com um medo intenso, às vezes irreal, do futuro, mas, como a nossa professora Mari bem nos explicou, a ansiedade aparece, em boa parte dos casos, quando não conseguimos controlar o futuro e sentimos medo do que pode acontecer.

A série The Mind, Explained, da Netflix, tem um episódio que fala sobre a ansiedade, ou melhor dizendo, explica a ansiedade. Nele, podemos ver como esse medo se forma diante da realidade e como pessoas com esse transtorno podem enxergar o mundo.

Uma parte interessante no episódio é quanto aos tipos de medos no transtorno de ansiedade: o catastrófico, ou seja, o medo de que coisas ruins vão acontecer; o de avaliação, que revela um medo persistente de ser assistido e julgado; o de perder o controle, que, por vezes, leva a um ataque de pânico; e o da incerteza, que explora o medo por não saber o que irá acontecer.  

Ter medo de algo, no entanto, não significa que não é possível fazer mais nada. Esses quadros podem ser generalizados ou específicos, mas não há comprovações de que quem tem ansiedade é medroso. 

  1. Estar ansioso é ruim

Nem sempre. O sentimento de incerteza quanto ao futuro, a sensação de que alguma catástrofe vai acontecer uma hora ou outra e o medo da avaliação e do julgamento não são, de fato, bons. Em alguns casos, eles podem desencadear crises de ansiedade e ataques de pânico, o que, claramente, não é nada legal.

Por outro lado, o ato de esperar ansiosamente por algo não é ruim. Sabe quando você vai fazer uma viagem que esperou por muito tempo e está animado para, finalmente, realizá-la? Essa ansiedade é boa, é gostosa.

Os mitos da saúde mental

em qualquer sinal de que a ansiedade está atrapalhando a sua vida, procure ajuda profissional.

  1. Ser resiliente, aguentar a pressão, encarar o excesso de trabalho e aturar tudo  

Provavelmente você já deve ter visto esse mantra por aí de que você precisa ser forte, resiliente, aguentar a pressão, encarar o excesso de trabalho e aturar tudo o que vier pela frente. Vamos com calma, ok?! Essa positividade tóxica pode te levar ao precipício e cair de lá é muito fácil. 

Se você quer um mantra, tente seguir esse aqui:

Fazer aquilo que me cabe e não esquecer dos meus limites!

Já deu para aprender um pouco sobre saúde mental com esses mitos, não é mesmo? Falar sobre eles é de grande ajuda para debater o tema e explicar como as coisas funcionam de verdade. Além disso, é aqui que abrimos o espaço para instaurar uma Cultura do Cuidado, da qual falamos em um curso muito legal!

Divulgaçao curso Cultura do Cuidado